quarta-feira, 18 de junho de 2008

"Burgau" uma palavra, uma pedra, a história e o amanho da terra para vinha no Zambujal

"Burgau" é uma pedra de formas arredondadas côncavas e convexas que muitas vezes se assemelham a conchas de bivalves e caramujos (caracóis do mar). Têm tamanhos pequenos e pesam entre centos de gramas a vários quilos, aparecendo envoltas em areias grossas e barros.




Aqui no Zambujal encontram-se, superfialmente, nas terras de saibro e barro, numa zona denominada "Barrios" na toponímia, a nascente do Horst de Cantanhede e a cerca de uma centena de metros dos afloramentos do júrassico. Mais umas centenas de metros para nascente, já no lugar do Zambujal os burgaus encontram-se a vários metros de profundidade, indicando a presença de água (saibro, barro, areia e burgau) quando se abriam poços.




Antigamente as vinhas eram plantadas num terreno previamente surribado a pulso, com enxada rasa, enxada de pontas e por vezes picareta, pelo método de manta aberta (vala coberta com a terra superficial vinda da frente, sobrava no fim da surriba uma vala).

Nesta surriba em terra de barro saibrento surgiam estas pedras pequenas, os burgaus, que era apanhadas pelas mulheres e crianças e colocadas nas estremas e bermas dos caminhos, fazendo-se com elas muros.





Este post surge porque mandei um abraço de agradecimento ao amigo Arsénio Mota numa destas pedras. Falei-lhe então na "burgau" a pensar que era termo regional.

O meu abraço-"pedrada" suscitou uma interessante troca de e-mails entre nós e uma pesquisa do amigo Arsénio Mota. Habituado a lidar com palavras, a "burgau" despertou-lhe a curiosidade. Ora o assunto não deixa de ser curioso e de ter interesse.
Expliquei-lhe então:
Escrevo a palavra "burgau" como a ouço pronunciar pelos mais velhos do Zambujal; penso que é diferente do cascalho porquanto a "terra cascalheira" tinha umas pequenas pedras em lascas, "laminadas", quase marga. Enquanto a terra de "burgau" era mais saibrenta e tinha estas pedra soltas e com formas arredondadas e com concavidades em forma de concha muitas delas Daí eu pensar que este nome tinha origem francesa na palavra "burgau" (burrié), (caramujo), mas não sei se é assim, digo-o por especulação. Algumas pedras "burgau", de cor rosada ou cinzenta esverdeada, muito duras, que depois de lascadas chamavam pederneiras (duas delas em colisão provocavam faísca que os mais velhos, lembro-me do Ti Luíz Romeiro, usavam para acender o "isco", torcida de pano de camisola com cinza de vides, dentro dum canudo de cana para depois acenderem os cigarros de tabaco de onça em mortalha de papel ou folhelho de milho).
Amigo Arsénio. o "burgau" aqui no Zambujal encontra-se numa faixa de terreno com cerca de mil metros, a poente do "Horst de Cantanhede" e paralelo a este. Fascinam-me estas pedras a que também chamavam bens móveis porque eram jogadas para o terreno do vizinho num vaivém constante quando a estrema não admitia muro. Por isso digo que são pedras com história: antes de nós houve quem as pegasse e as olhasse com admiração ou desprezo, são bocados do trabalho do nosso povo que fez a nossa terra, numa "união fecunda de homens e terra.".
Amigo, vou pesquisar junto dos anciãos (sábios) do Zambujal. Esta pedra "ouviu" o mandador da equipa das surribas gritar: à "cova e manta", "aoo fuundo", "maiis uma", "à freente!..."É provável que o "Glossário de Termos Gandareses" de Idalécio Cação não tenha este termo "burgau" porque o Zambujal fica localizado entre o que se chama "Gândara"; o que se chama "Campo do Mondego" fica no Horst que divide as bacias hidrográficas do Vouga a Poente e Norte e a do Mondego a Nascente e Sul. Seremos Gandareses ou Camponeses? Já consultei alguns estudos (Fernanda Delgado Cravidão) sobre esta questão e não encontro certezas. Como pode uma simples "pedrada" levantar tais questões?!

Enfim, o Arsénio esgravatou no assunto e averiguou que o termo pertence de direito ao nosso Português vernáculo. Consta do Dicionário de Morais, 10ª edição (já antiga mas sempre estimada), da responsabilidade de João Pedro Machado, mas está também na edição corrente do Dicionário da Porto Editora. Registam eles:

«burgar» = cavar terras;«Burgau» 1 = pode significar molusco gasterópode, de concha univalve, que produz o mais belo nácar; conchas desses moluscos que se espalham pelas praias e se prendem nos costados dos navios.«Burgau» 2 = Pedra miúda de envolta com areia grossa; cascalho... etc.«Burgau» 3 = Pedaços de ferro cortados ao despontar ferradura de bestas durante o atarracamento, e aproveitados na confecção da ferragem de sucata.

Note-se a 2.ª entrada ("Pedra envolta em areia grossa"): está de acordo com a terra de saibro; "areia grossa com barro" também diziam os mais velhos que, quando faziam os poços e a determinada profundidade encontravam saibro e "burgau", havia água perto. "Burgar" = Cavar terras, também parece sentido relacionado.

Assim se acrescenta mais uma centelha de conhecimento e riqueza à nossa Bairrada e Gândara. É preciso voltar ao centro dos anéis da vida para vermos o que sempre esteve ali, mas escondido; é preciso afastarmo-nos para vermos esse bocadinho de chão escondido sob os nossos próprios pés.


E tudo isto fica a lembrar uma "pedrada" cordial!



Com um abraço aos amigos Rui Murta, Manuel Faim Monteiro, Manuel Tréculo e ao Arsénio Mota que nos ilucidaram sobre como "esgavatar a terra e as letras na descoberta da burgau".


Ao Arsénio Mota escritor da Bairrada e com ela na alma, a coloca com mestria literária, (as nossas terras, gentes e vivências) nos seus livros, os meus sinceros agradecimentos.


No fundo um bem haja ao povo da Bairrada e da Gândara que desde sempre souberam como amanhar a terra e as artes, para que esta produza bons alimentos e o bom vinho que os acompanha, à nossa mesa para deleite do corpo e do espírito.

O provérbio: - "Quando o povo diz, ou é ou está para ser."

8 comentários:

xistosa, josé torres disse...

E nós só podemos agradecer ao amigo Carlos Rebola a enciclopédia que está a formar.
Nem sem saem ferroadas no físico, também dispara para a massa cinzenta.
Pode não acreditar, mas em todos, mas mesmo em todos os blogs, gosto de ler todas as postagens da 1ª linha á última.
É nestas terras saibrentas que a vinha cresce e nos dá o Bairrada.

fotógrafa disse...

Neste primeiro dia de verão,venho desejar a todos, um fim de semana radioso, e para os do Norte…BOM FDS prolongado, com o São João a caminho…
abraço

A. João Soares disse...

Bem haja, Carlos Rebola, por nos aumentar os conhecimentos. Tinha apenas a noção de burgau como uma pedra redonda, um pouco tipo de calhau rolado indicadora de que no local já houve mar ou rio caudaloso. Fiquei a saber que etimologicamente vem de burrié.
Continue a trazer cultura aos nossos espíritos. O saber nunca é demasiado, nem ocupa lugar.
Abraços para si e para o amigo Arsénio Mota
A. João Soares

Mariazita disse...

Sem tempo para comentários, venho apenas deixar um beijinho de despedida, já que vou amanhã de férias, por 2 semanas.
Amanhã publicarei um post, o último desta fase.
Se quiser e puder...vá lá ver.
Quando regressar farei uma visita
Tudo de bom.
Beijinhos
Mariazita

Carlos Rebola disse...

Amigo Xistosa
Obrigado pelo seu comentário.
Tenho aprendido bastante e com o humor e boa disposição que o amigo Xistosa sempre nos oferece nos seus blogs, um dia destes descobri uma receita de sangria de cerveja no site "petiscos" mas ainda vou experimentar fazer sangria com o espumante da Bairrada.
A Bairrada dá muito bom vinho produzido a partir de castas muito boas, são exemplos a "baga" para os tintos e "Fernão Pires" para os brancos, castas potenciadas pelo solo e sol.
Um abraço amigo
Carlos Rebola

Carlos Rebola disse...

Fotografa
Obrigado pelo teu desejo de BFS para todos.
Que as festas populares sejam cheias de alegria.
Beijos
Carlos Rebola

Carlos Rebola disse...

Amigo A. João Soares

O "burgau" deu origem a uma investigação do amigo Arsénio Mota que resultou neste post. Quanto à morfologia e formação do burgau vou procurar esclarecimentos junto de amigos geólogos.
Um abraço cordial
Carlos Rebola

Carlos Rebola disse...

Mariazita
Umas boas férias, são os meus desjos para ti.
Obrigado pela visita
Beijos
Carlos Rebola