segunda-feira, 22 de novembro de 2010

DN - Gente de Cantanhede

Diário de Notícias

O 'Tifoso' dos 'robots'


É um daqueles 'cérebros' cuja hipótese de fuga nos preocupa. Engenheiro de robótica, explora o fundo do mar, nos intervalos de aplaudir o Genoa e passear de
Se a vida for um mapa, ele tem um bom GPS. Aliás, fez disso desporto, com a família toda: "Chama--se orientação, e faz-se em florestas. Viajei muito desde miúdo com os meus pais e o meu irmão, que é um grande campeão e faz parte da selecção." Foi assim que este filho de professores do secundário - a mãe, de línguas, e o pai, de mecânica - conheceu grande parte da Itália, onde agora vive há dois anos, em Génova, a trabalhar em robótica submarina. E a mapear o fundo do mar - através das imagens captadas pelos robots.
Começou tudo, garante ele, aos 4 ou 5 anos, quando uma tia lhe ofereceu um robot brinquedo. "Gostei muito e a partir daí comecei a pensar nisso." Mesmo se por volta dos sete anos enviou uma foto para um programa de TV que tinha a ver com o que as crianças queriam ser. "Nessa altura tinha a mania das lanchas, apareci na televisão a martelar uma." Ri. "Acabei por juntar as duas coisas: robots e barcos."
Natural de Cordinha, Cantanhede, pelo BI (é a terra do pai), nasceu em Coimbra em 1984 e viveu em Águeda entre os 4 e os 18 anos, quando entrou para o curso de Engenharia Electrotécnica e de Computadores do Instituto Superior Técnico. Acabou o curso em 2008, com média de 17, entre os melhores 30 dos 300 alunos. Mas, mesmo assim, não era óbvio que conseguisse fazer o que queria. "Logo na primeira aula o professor disse que 90% iriam ser consultores e quando terminei todas as propostas de trabalho que recebi eram para isso, menos uma. Andei activamente à procura na Net de possibilidades relacionadas com a robótica e encontrei três: uma na Holanda, outra em França, na Agência da Energia Atómica, e a terceira em Génova, que escolhi. Os projectos francês e italiano são parceiros, o trabalho é mais ou menos o mesmo, mas eu preferia Itália e estar junto ao mar." Conseguiu uma bolsa europeia (Marie Curie Early Stage Researcher) e partiu com um livro de conversação - italiano em 30 dias - oferecido pelo irmão, mas começou por comunicar em inglês. "Ao fim de três meses já falava bem italiano, é uma língua fácil para nós." Uma semana para arranjar um sítio para ficar - uma casa partilhada com vários colegas - e mais uns tempos para a adaptação. "Arranjei uma vespa - a casa fica no centro histórico, a dois quilómetros do instituto pertencente ao Conselho Nacional de Investigação italiano, onde trabalho; apanhei o hábito do aperitivo ao fim da tarde, às seis; paga-se uma bebida, há um buffet de petiscos e fico jantado; vou ao fim de semana comer o gelado da praxe à gelataria tradicional - aqui as pessoas saem todas à rua no fim de semana, passeia-se na cidade (o shop-ping mais próximo é na periferia); e a partir de Abril começamos a ir à praia, aqui perto da cidade. É uma vida gira, adaptei-me de tal modo que até vou ao estádio ao domingo ao futebol, ver o Genoa. Transformei-me num tifoso." Uma gargalhada, explica: "Aqui é muito diferente. O Genoa está em 14.º lugar e a perder jogos e há duas semanas estavam 22 mil pessoas a uma quarta-feira no estádio." Só no café não se acultura. "Em Por- tugal não bebia, aqui também não."
Há cerca de um mês, andou pela Croácia a fazer um mapeamento de uma planta aquática; vai voltar em Maio, para procurar um navio afundado. O trabalho leva-o a viajar bastante. "Este ano viajei 18% do tempo: Inglaterra, Turquia, Croácia, Sul de Itália, Alemanha, Roménia. Também já estive a trabalhar nos Açores, a mapear um campo hidrotermal novo." Além de trabalhar com os robots, o trabalho de Fausto inclui fazer o puzzle das imagens que estes captam. "Uma das coisas que gosto nisto é ser difícil e complexo - se fosse fácil não tinha graça. E é útil. 70% do planeta é mar, e não está suficientemente estudado."
A preparar o doutoramento, concorreu a uma bolsa da Fundação de Ciência e Tecnologia para ficar em Génova "mais uns três anos e meio". Depois? Ainda não há mapa: "Ainda não sei. Provavelmente não me será difícil encontrar um contrato para ficar em Itália. Mas gostava de voltar a Portugal, porque gosto muito do meu país, e há grupos de investigação muito bons cá. E em muitas coisas estamos muito melhor. Toda a gente pensa que lá fora é que é bom, mas chega-se lá e não é assim. Temos um complexo de inferioridade que também encontro nos italianos."
FERNANDA CÂNCIO

publicado a 2010-11-20 às 01:00


"A vontade remove montanhas"

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