"Contar os grãos de areia destas dunas é o meu ofício actual. Nunca julguei que fossem tão parecidos, na pequenez imponderável, na cintilação de sal e oiro que me desgasta os olhos. O inventor de jogos meu amigo veio encontrar-me quase cego. Entre a névoa radiosa da praia mal o conheci. Falou com a exactidão de sempre:
«O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem»."
[Carlos de Oliveira, "Sobre o Lado Esquerdo"]
No entanto se não limparmos o lixo, a areia começa a ter na sua composição grãos de porcarias tóxicas, plásticos, metais pesados e outros venenos cuja percentagem crescente pode atingir o limiar mínimo da sobrevivência humana ou até mesmo ultrapassá-lo.
"Quem contará esta noite os grãos de areia da praia?
Seu peso na balança do sacrifício?
Deixaram-nos sozinhos.
Com uma barra de chumbo alterando o nosso olhar.
Com uma barra de chumbo que divide nossos olhos nocturnos
da água turva da penitência.
Tanta tempestade arrancando-nos as redes da alma...
o escapulário do medo.
E um dedo indicador que aponta o céu
como uma flecha imóvel
contra todo o horizonte estremecendo-se de nuvens.
Vão fechando os guarda-sóis cravados na beira-mar."
(Jesús Losada, Teu Rosto na Água de Outra Maneira,
Esposende, No Silêncio da Gaveta, 2001, edição bilingue)
3 comentários:
Olá Carlos Rebola
Tal como disse na rede "Limpar Portugal", este é um excelente "post", com belos textos e belas imagens.
Espero que seja possível, em 20/03/2010, para além de limpar a floresta, limpar as praias e margens dos rios.
Mas se não for possível nessa data, que se arranje outra para o efeito.
Precisamos de um mar mais limpo.
O mar é fonte e equilíbrio da vida.
Um abraço
Boa Tarde. Parabens ao blog e à causa que representa.
Sobre o mov. Limpar Portugal versus P. Tocha, diria que os petroleiros já não lavam tantas vezes os tanques em alto mar, porque o teste do "Piche" nos pés já não aparece como antigamente quando se calcurreavam as areias da orla. Agora com o que não posso é com as milhares de vasilhas em plástico da pesca ao polvo que arrojam à costa e levam milhares de anos a desaparecerem. Desconheço se a CMC alguma vez fez uma limpeza da orla costeira que lhe pertence. Parece que sensibilizar voluntários para esta causa está cada vez mais fácil, o que noto é que QUEM tem o dever "acima do cívico" para congregar as hostes sofre de uma inépcia aflitiva.
ass: Jomapa
Sobre a questão do lixo depositado pelo mar na orla costeira; ao ler este texto; lembrei-me das transformações paradoxais que ocorreram em Portugal nos últimos 60-70 anos:
- Por volta da década de 30, em Portugal, não havia plásticos, as garrafas de vidro eram um bem pouco generalizado em grandes quantidades e tinham algum valor, sendo que a maior dos líquidos eram guardados ou transportados em "embalagens" de madeira (pipas, tonéis), barro e cerâmica (cântaros, bilhas) ou feitas de chapa de zinco! E a época era de menor prosperidade e maior dificuldade de acesso aos bens materiais!
Por isso, ouço histórias de pessoas de idade avançada, como o meu avô; que costumavam "andar à catraia" pelo Norte e Sul da Praia da Tocha, para reaproveitar e reciclar muito do que o mar depositava na costa: garrafas de vidro, pranchas e tábuas de madeira, cordas, etc...! Muitas vezes, os objectos achados eram escondidos ou transportados à socapa, à noite ou pela floresta, para evitar serem apreendidos pelas patrulhas da Guarda Fiscal!
- Há poucos anos atrás, costumava fazer várias caminhadas a pé pela beira-mar entre as Praias do Palheirão ou da Costinha, e a Praia da Tocha; sabendo por isso a quantidade de lixo que lá se encontra depositada! Muito do que antes era valorizado, desejado e útil; passou a ser ignorado e desprezado! Mudam-se os tempos...
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